A representatividade da casa do semiárido no Archdaily Brasil
- acasadosemiarido
- 21 de set. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de set. de 2021
O semiárido representa 13,3% do território brasileiro e abriga 13,4% da população do país [1]. A região Nordeste acomoda a maior parte deste clima, que está presente nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. O clima também está presente em uma porção da região sudeste, na parte norte do estado de Minas Gerais.
Este recorte climático que apresenta forte insolação, temperaturas relativamente altas e regime de chuvas marcado pela escassez [2], foi historicamente cenário de uma cultura de negação e importação. Tal fato é perceptível em obras literárias como Vidas Secas, escrita por Graciliano Ramos no ano de 1938 que narra as asperezas da família dentro da aridez da caatinga, e a saída dos retirantes da fazenda em busca de condições melhores de vida. Uma narrativa social, que demonstra a realidade de muitos sertanejos que vivem nesse clima, no qual foi criada uma cultura de “combate à seca”, e consequente desligamento das origens.


Os gráficos acima foram elaborados, respectivamente, com base em dados da SUDENE e do IBGE.
Neste contexto de histórico conflito com o clima, muitas vezes prevalece uma arquitetura feita pelo povo, utilizando dos recursos disponíveis, em que:
"[...] a maioria das habitações não foi erigida por profissionais, mas sim por pessoas comuns que adquiriram conhecimento por meio de um processo contínuo, com sucessivas adaptações às necessidades sociais e ambientais; o que comumente se classifica como moradia popular." [3]
Endossando esta percepção, o Anuário de Arquitetura e Urbanismo do CAU/BR de 2019 mostra em mapas que a maior parte dos municípios nordestinos não têm profissionais de arquitetura e urbanismo e que as atividades tendem a se concentrar nas regiões metropolitanas das capitais [4]. Sendo assim, é natural que as cidades do semiárido, predominantemente interioranas e afastadas das capitais, cresçam sem planejamento e supervisão profissional.
Porém, se por um lado percebe-se a prevalente ausência de profissionais de arquitetura atuando nestes contextos, por outro é possível encontrar exemplares de arquitetura do semiárido publicados em grandes portais de arquitetura, como o Archdaily BR.
Partindo do exposto, e dos objetivos desta pesquisa, buscou-se caracterizar quantitativa e qualitativamente a representatividade da casa do semiárido brasileiro no mais popular website de divulgação de arquitetura do país, o Archdaily BR. Fez isto por meio de coleta de dados no repositório do site, em que foram identificados os projetos localizados no recorte do semiárido brasileiro.
Quantidade de casas no Brasil x Quantidade de casas no semiárido
Até o encerramento da coleta de dados (setembro de 2020), havia publicados no Archdaily BR um total de 1.014 projetos de casas brasileiras. Dentre estes projetos, apenas 10 localizam-se no recorte do semiárido. Ou seja, pouco mais de 1% das casas brasileiras publicadas.

Percebe-se neste ponto a discrepância entre a porcentagem que representa a quantidade de publicações e aquela que indica a área territorial que o semiárido ocupa no território brasileiro. Tal fato evidencia a baixa representatividade que a produção desde recorte geográfico tem na mídia
especializada.
Por sua vez, os projetos localizados do semiárido distribuem-se entre 6 estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Os estados com mais projetos publicados são Bahia, Ceará e Pernambuco, onde localizam-se as metrópoles regionais do Nordeste, respectivamente: Salvador, Fortaleza e Recife. É notório assim como a proximidade dos centros urbanos tem influência e relação direta com a representatividade da arquitetura produzida em mídia especializada.
O semiárido expresso nas publicações
Entre as 10 casas que compõem o objeto deste estudo, uma característica é quase unânime, quase todas estão localizadas em condomínios fechados ou lugares remotos. Como está expresso no texto de apresentação de um dos projetos, que diz que este está “Afastado das avenidas mais trafegadas da
cidade, é dominado por um silencio aconchegante” [5]. O termo semiárido não está presente em nenhuma das publicações. Alguns outros termos que podem ser encontrados para a identificação destas localidades são Cariri, no caso da Residência JS (2020) e da Residência C (2020), ambas do escritório Lins Arquitetos; Trópico, no caso da Casa do Arquiteto (2014) do Jirau Arquitetura; e Sertão, no caso da Casa Alagoas (2017) do Tavares Duayer Arquitetura. Nos projetos anteriormente citados, as questões climáticas do recorte geográfico de certo modo se traduzem em soluções arquitetônicas e são discutidas nas publicações. Nas Residência JS (2020) e Residência C (2020), os arquitetos apontam no texto a utilização de estratégias bioclimáticas de filtragem e amenização da incidência solar direta, uma importante característica do semiárido brasileiro.


Acima imagens da Residência C do escritório Lins Arquitetos, publicadas no Archdaily BR
Já no caso das Casa do Arquiteto (2014) e Casa Allouchie (2015), os arquitetos trazem, como referência principal para as soluções de projeto relacionadas ao clima, o Roteiro para construir no Nordeste de Armando de Holanda [6]. Nos casos das Casa Módico (2020) e Casa do Bomba (2015) outras preocupações que envolvem aspectos naturais e culturais aparecem nas publicações:
"A influência do território e sua posição ligada ao vento desenvolveram no cliente e criador o desejo de imaginar uma resposta congruente às tradições habitacionais locais. Portanto, a construção respeita a memória em termos de tecnologia de construção, é ecologicamente sustentável e é proposta como ponto de referência para a antropologia cultural da paisagem." [7]


Acima imagens da Casa Módico do Atelier Branco, publicadas no Archdaily BR
"A escolha dos materiais da casa relacionou-se intimamente com o lugar em questão. O concreto armado na sua forma bruta e aparente é tratado como a “pedra concebida pelo homem”. Ali ele incorpora o espírito das rochas da região e é utilizado em sua rusticidade como um dado autêntico do complexo processo de se construir em local remoto." [8]


Acima imagens da Casa do Bomba do escritório Sotero Arquitetos, publicadas no Archdaily BR
Dentre a predominância de casas localizadas em condomínios fechados, a Casa Alagoas (2017) se destaca por ser a única, do grupo de 10, inserida na malha urbana, neste caso, da cidade de Olho D’Água do Casado, no estado de Alagoas. A publicação fala sobre adequação ao clima e ainda afirma que:
"O projeto de uma casa no sertão de Alagoas, em um local tão atípico e de grande beleza e simplicidade, nos fez entender que o ponto de partida deveria ser a valorização da cultura desta região, de forma a aplicar técnicas regionalistas em toda a construção da casa e seu interior." [9]


Acima imagens da Casa Alagoas do escritório Tavares Duayer Arquitetura, publicadas no Archdaily BR
Na publicação ressalta-se ainda que a utilização de obras de arte e artesanato local nortearam o desenvolvimento do projeto arquitetônico, exemplificando como tais aspectos da cultura local também podem ser importantes pontos de partida na concepção arquitetônica. Na fachada da Casa Alagoas optou-se por utilizar em grande parte o branco, que dialoga com as cores claras da arquitetura local, além do verde e azul [9]. Tais características do projeto condizem com o estudo feito por Silvia Cardoso [10] relacionado às fotografias das casinhas nordestinas feitas Anna Mariani, fotógrafa e antropóloga. No texto a autora diz “[...]uma moradora disse: ‘... não consigo entrar um ano sem pintar a fachada da minha casa...’. É como uma roupa nova, um vestido novo”.


Acima imagens da Casa Alagoas do escritório Tavares Duayer Arquitetura, publicadas no Archdaily BR
Considerações
É possível perceber por meio do exposto que apesar de ocupar uma área de aproximadamente 13% do território brasileiro e abrigar 13% da população nacional, os projetos de casas do semiárido só representam aproximadamente 1% do total das casas publicadas no portal, revelando a desproporcionalidade (talvez associada à quantidade de profissionais atuantes) e certa invisibilidade da produção. Este fato prejudica, por exemplo, a busca por referências projetuais para o semiárido.
Quando observam-se individualmente os projetos, nota-se que quase totalidade não está inserida na malha urbana consolidada das cidades, mas sim em lotes em condomínios fechados, o que leva-nos a questionar se esta produção publicada pode ser considerada uma amostra do recorte.
Deste modo, percebe-se o campo para realização de outras pesquisas a partir deste objeto. Sendo encarando-o do ponto de vista da relação com o clima, fator relevante do recorte, seja voltando o olhar para as questões culturais, socioeconômicas, entre outras.
Os resultados desta pesquisa também foram publicados na I Jornada Integrada da Faculdade Santa Maria.
Referências
[1] SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Nova Delimitação do Semiárido. 2017.
[2] SILVA, P. C. G. da; MOURA, M. S. B. de; KIILL, L. H. P.; BRITO, L. T. de L.; PEREIRA, L. A.; SA, I. B.; CORREIA, R. C.; TEIXEIRA, A. H. de C.; CUNHA, T. J. F.; GUIMARÃES FILHO, C. Caracterização do Semiárido brasileiro: fatores naturais e humanos. Embrapa Semiárido-Capítulo em livro científico. 2010.
[3] AGNOL, B. D. ALMEIDA, C. C. O. Patrimônio Vernáculo: contribuições para uma arquitetura mais sustentável. 2016. Disponível: http://docplayer.com.br/75271287-Patrimonio-vernaculo-contribuicoes-para-uma-arquitetura-mais-sustentavel.html. Acesso em: nov. 2020.
[4] CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL. Anuário de Arquitetura e Urbanismo: 2019. Brasília, 2019.
[5] CASA OÁSIS. Archdaily. 07 de maio de 2020. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/939063/casa-oasis-studio-kyze?ad_source=myarchdaily&ad_medium=bookmark-show&ad_content=current-user. Acesso em: 23 de maio de 2021
[6] HOLANDA, A. Roteiro para construir no Nordeste: arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados. Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Mestrado em Desenvolvimento Urbano, 1976
[7] CASA MÓDICO. Archdaily. 13 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/943907/casa-modico-atelier-branco-arquitetura?ad_source=myarchdaily&ad_medium=bookmark-show&ad_content=current-user. Acesso em: 23 de maio de 2021
[8] CASA DO BOMBA. Archdaily. 23 de junho de 2015. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/768974/casa-do-bomba-sotero-arquitetos. Acesso em: 23 de maio de 2021
[9] CASA ALAGOAS. Archdaily. 03 de janeiro de 2017. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/802057/casa-alagoas-tavares-duayer- arquitetura?ad_source=myarchdaily&ad_medium=bookmark-show&ad_content=current-user. Acesso em: 23 de maio de 2021
[10] CARDOSO, S. Anna Mariani e as casinhas nordestinas. Revista: Estúdio, Artistas e outras obras. P. 201- 207, 2013

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