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O semiárido

O clima semiárido existe há milhares de anos, apresentando períodos de muita chuva e outros de pouca. Porém, as características naturais do território e a presença das “secas” - termo que merece reflexão – não é o fator decisivo para situação de carência em que se encontra grande parte do recorte atualmente. Este cenário tem influência – mais do que da natureza – da exploração do território e da sua população, que remonta do período da primeira invasão feita pelos portugueses, em que a vida da população indígena integrada ao semiárido foi brutalmente interrompida. Gradualmente o território passou a ser ocupado pelo gado que não podia ficar perto das áreas de manejo de cana de açúcar do litoral e foi empurrado para o interior [1].

Ao longo da história, a área que hoje leva o nome de semiárido teve outras denominações, como Sertão e o Nordeste das secas. A primeira delimitação, o Polígono das Secas, foi estabelecida em 1936, já o conceito técnico de semiárido decorre de uma norma da Constituição de 1988 no seu Artigo 159, que institui o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE)[2]. No ano de 1989, por meio da Lei nº 7.827, de 27 de setembro de 1989, acontece a primeira delimitação do semiárido, definido como região inserida na área de atuação da Sudene. Atualmente, os critérios para a inserção de um município na delimitação do semiárido são:

- Precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros;

- Índice de Aridez de Thornthwaite inferior ou igual a 0,50;

- Percentual Diário de Déficit Hídrico igual ou superior a 60%;

A última atualização da área que define o semiárido foi feita pela Sudene em 2024, chegando ao total de 1.477 municípios dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais [3].

Como mencionado anteriormente, o termo seca pode não ser o mais adequado para caracterizar o contexto climático do semiárido, pois “seca” caracteriza uma situação climática excepcional de baixa pluviosidade numa região que normalmente apresenta chuvas regulares. No caso do semiárido a estiagem é previsível do tipo climático, com chuvas irregulares no tempo e no espaço geográfico. Nunca se sabe quando e onde a chuva irá cair, apenas prevê-se o período provável de precipitação [1]. O período seco anual prolongado, eleva a temperatura local, caracterizando a aridez sazonal. O grau de aridez de uma região depende da quantidade de chuvas e da temperatura que influencia a perda de água por meio da evapotranspiração. No semiárido, em que os níveis de precipitação variam entre 300 e 800mm por ano, ocorre uma evaporação muito maior que a precipitação [2 e 4].

Devido à aridez característica, o bioma caatinga, que marca as paisagens do semiárido brasileiro, parece não ter corroborado com o conceito do verde presente na ideia de autorrepresentação oficial ao longo da trajetória histórica e social do Brasil. O que contribuiu, por muitas décadas, para que essa região fosse relegada à negação, à exploração e ao esquecimento. Além de sofrer a ação dos processos naturais de degradação, o semiárido passa por níveis intensos de antropização, com desmate e desflorestamento intensivos para destinação de áreas à agricultura e pecuária, o que agrava suas condições climáticas [5].

Tendo este cenário como pano de fundo, entende-se por que a partir da seca de 1877 o Nordeste passou a ser visto como “região-problema” no cenário nacional e ações contra os efeitos das secas passaram a ser defendidas pelos grupos de poder político e econômico. Entre estas ações estava a migração ou evacuação do espaço em busca de lugares com clima “sadio”. Neste contexto o Sul se tornou uma promessa, e levou milhares de nordestinos expulsos do semiárido em busca da “terra desconhecida e civilizada” com o intuito de fugir das dificuldades com as quais se deparavam, quando na verdade este era um processo direcionado à reordenação econômica do país caracterizada pelo processo urbano-industrial do Sudeste. Esta migração, que aconteceu durante o governo de Getúlio Vargas, também se deu em direção à Amazônia com a finalidade de levar trabalhadores nordestinos aos seringais e ocupar as regiões de fronteira até então despovoadas e desprotegidas [5].

O que se percebe, portanto, é que as elites se utilizaram da imagem de região seca muito mais pelo interesse de explorar politicamente o sofrimento e a miséria decorrentes, consequentemente associando o território ao deserto e negando suas potencialidades. O contexto climático era visto assim como algo a ser combatido, superado, incentivando a percepção do determinismo de uma natureza adversa que condena a região e seu povo ao sofrimento. Por interesse político, não eram tratadas ações que visassem o convívio sustentável com as características naturais do lugar [5].

A ideia atual de convivência com o semiárido parte do princípio que “não se pode combater ecossistemas, variações climáticas, direção de ventos e o sol. É preciso haver políticas públicas que façam a região produzir de maneira segura para si e para o mercado, viver sem catástrofe, exatamente com este clima que temos” [1, pag. 32].

Umas das estratégias fundamentais ao fortalecimento da ideia de convivência com o semiárido, em substituição a concepção de combate às suas características, é uma educação contextualizada que vise a compreensão do referido recorte em suas limitações, mas principalmente em suas potencialidades. É neste sentido que este projeto de pesquisa procura identificar e compreender práticas contemporâneas de arquitetura do semiárido, para a partir destas, também compreender mais o território.

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Referências

 

[1] SCHISTEK, H. O. Semiárido Brasileiro: uma região mal compreendida. Convivência com o Semiárido Brasileiro: Autonomia e Protagonismo Social, p. 31-43, 2013.

[2] SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre o combate à seca e a convivência com o semi-árido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento. 2006.

[3] CONDEL/SUDENE Resolução Nº 176, de 3 de janeiro de 2024

[4] BAPTISTA, N.Q; CAMPOS, C.H. Caracterização do Semiárido. Convivência com o Semiárido Brasileiro: Autonomia e Protagonismo Social, p. 45-50, 2013. 

[5] BURITI, CATARINA DE OLIVEIRA; AGUIAR, JOSÉ OTÁVIO. Secas, migrações e representações do semi-árido na Literatura Regional: Por uma História Ambiental dos Sertões do Nordeste Brasileiro. Textos e Debates, v. 2, n. 15, 2012.

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